O que Darwin e as startups podem ensinar para as grandes organizações.

Não basta ter uma ideia; é preciso colocá-la em contato com clientes e testá-la, várias vezes, até que ela se torne relevante.

Luis Alt
6 min readJan 4, 2019

Quando eu era criança, o acesso a música era muito mais limitado do que hoje em dia. Havia os programas de rádio, que tocavam músicas de acordo com sua programação pré-definida, repetindo 80% do tempo apenas 20% dos artistas "do momento". A outra opção para ter acesso a música eram as lojas de discos ou CDs, onde íamos normalmente explorar novidades ou comprar álbuns de artistas consagrados. Eu adorava passar longas tardes nessas lojas, ouvindo álbuns recém-lançados em busca do próximo sucesso. Mas, todos sabemos, o mundo mudou. Atualmente, com o Spotify trazendo novas músicas automaticamente e de maneira direcionada aos nossos gostos, não precisamos mais ir a uma loja caçar lançamentos e comprar um pedaço de plástico que nos garantirá o acesso a essa música para sempre. Simplesmente pagamos mensalmente para ter acesso a praticamente todas as músicas do mundo.

Hoje em dia há uma popularização tão grande do “estilo de vida empreendedor digital” que eu sinto, ao encontrar uma startup prestes a sair do anonimato e decolar, a mesma sensação que tinha quando, no meio de uma loja repleta de CDs, achava algo realmente incrível e ainda desconhecido do grande público.

O problema, no entanto, é que todo dia nos falam sobre uma “nova e inovadora” startup que chegou para mudar as nossas vidas, diretamente do Vale do Silício. A nossa fixação é tão grande com a região norte da Califórnia que sequer paramos para refletir sobre as novidades que nos são apresentadas, assim como muitas vezes não prestávamos atenção nas músicas populares nas rádios, apenas as aceitávamos. “Isso certamente vai bombar”, é o que pensamos ao ver um sensacional vídeo de lançamento, como se fosse a MTV de antigamente. Mas antes de sair espalhando para os quatro cantos a nova startup que você talvez tenha acabado de descobrir, assim como eu fazia com as minhas músicas, é interessante fazer uma reflexão a respeito da solução que está sendo proposta pela empresa.

O que é inovação?

Existem muitas definições para inovação. A minha é muito simples: “Inovação = Diferenciação + Relevância”. E tem que ser tanto para quem a propõe quanto para quem se beneficia dela. Diferenciação, pois a essência da palavra inovação está relacionada a não fazer de novo, não repetir. Relevância pois, caso a solução não tenha um impacto na vida das pessoas às quais se destina e não traga resultados para a organização que a está propondo, então ela sequer pode ser considerada uma inovação. É por isso que nunca deveríamos dizer que estamos lançando uma inovação. A inovação acontece ao se olhar para trás e perceber que vidas foram impactadas e, como organização, a solução nos levou a um novo lugar.

Então quando vemos o vídeo promocional milionário de uma startup que acabou de captar dinheiro (e decidiu gastar quase tudo nesse vídeo) explicando por que a sua solução transforma a vida das pessoas, não deveríamos sair espalhando por aí que trata-se de uma inovação, mas sim de uma empresa com um potencial inovador. (E isso apenas se acreditarmos nesse vídeo).

Um bom exemplo de potencial inovador vem de uma das maiores empresas do mundo, a Alphabet (dona do Google). Apesar de já não ser uma startup, a Alphabet é reconhecida por estar constantemente se aventurando em busca de inovar diferentes mercados. Tomemos o Google Glass, óculos inteligente da empresa, que, quando lançado, fez muito barulho. Naquele momento, como se fosse o maior lançamento de uma banda de grande sucesso, ninguém parou para pensar se realmente a solução tinha qualidade. A maioria das pessoas simplesmente saiu espalhando aos quatro cantos o que a empresa havia lançado. Pouco tempo depois, no entanto, o Google tirou o produto das ruas pois se deu conta que ele ainda precisaria passar por uma série de adaptações. Era um produto diferente? Certamente, nunca houve nada parecido. Era relevante? Ainda não, apesar do enorme potencial. O óculos não soube lidar com uma barreira social importante: as pessoas ainda não estão acostumadas a estarem 100% do tempo sujeitas a estarem sendo gravadas e transmitidas mundo afora enquanto conversam com alguém. “Uma câmera em seu óculos, me gravando o tempo inteiro? Vira isso pra lá!”

É muito provável que a Alphabet, muito em breve, traga ao mercado uma nova versão do Google Glass, com tantas novas funcionalidades e utilidades que ele consiga romper com essa tal barreira social e seja adotado pelas pessoas a ponto de eliminar os mesmos comportamentos que a fizeram fracassar em primeiro lugar. Mas, para chegar lá, talvez fosse mesmo preciso colocar o produto original na rua e aprender com os erros.

A inovação e a evolução das espécies

Inspirado pela seleção natural de Darwin, o americano Donald Campbell adaptou para o mundo do conhecimento e da tecnologia o consagrado conceito das ciências naturais. Uma solução inovadora, assim como a evolução de uma espécie, acontece por meio de um processo onde se produzem muitas hipóteses/soluções diferentes (variação cega), das quais o ambiente seleciona as melhores (retenção seletiva). São as soluções que melhor forem aceitas pelo ambiente que vão conseguir “se reproduzir” mais.

Voltando à música, o iPod não foi o primeiro tocador de mp3. Antes dele havia alguns outros modelos, pesados, com menos capacidade e, principalmente, mais difíceis de usar. Logo depois dele, surgiu o Zune, da Microsoft, com aparência interessante e propondo uma série de novidades funcionais (alguém lembra dele?) Todos sabemos, no entanto, qual a solução que o ambiente selecionou. A variação cega e retenção seletiva acontece todo dia, em todos os lugares. Novas bandas surgem em cada esquina de cada cidade do mundo porém poucas trarão algo novo, atraente e que faça a diferença na vida das pessoas. As que fizerem, possivelmente, farão muito sucesso. O que acontece no mundo das startups é bastante similar. Para cada unicórnio avaliado acima de 1 bilhão de dólares existem centenas ou milhares de soluções que falharam completamente. A teoria está aí, comprovada.

Simulando a teoria de Darwin nas empresas

A boa notícia é que, no caso de uma empresa já consolidada, é possível simular esse processo de variação cega e retenção seletiva sem gastar milhões e meses de desenvolvimento para colocar uma solução no mercado. Para fazer isso, é preciso acionar a abordagem do Design, realizando ciclos constantes de geração e materialização de ideias por meio da colaboração e de protótipos rápidos, os quais são validados em sessões de trabalho. A medida que as funcionalidades, propostas de valor e atributos são selecionados, os modelos testados vão, a cada ciclo, se aproximando de um estágio mais próximo da implementação. Inicialmente, procuramos entender se o conceito é valioso, se as pessoas entendem e valorizam o que lhes está sendo proposto. A medida que vamos realizando novos ciclos, as perguntas passam a ser mais específicas, garantindo que as pessoas consigam, de fato, utilizar a solução, que ela seja agradável. Trata-se de um processo contínuo de variação cega, feito em ambiente controlado, para ajudar qualquer solução a ser lançada com mais chance de sobreviver à seleção natural. Isso porque, ela mesma, já passou por várias rodadas de seleção em ambientes controlados.

Infelizmente, o que acabamos vendo bastante são empresas lançando suas soluções no mercado sem conversar com clientes, apenas acreditando que vai dar certo. Na maioria dos casos o mundo real dá rapidamente a resposta positiva ou negativa sobre a solução. E o pior, se a sua empresa não passou por ciclos de protótipos antes de lançar, é possível que ela tenha gasto muito mais tempo e dinheiro do que deveria para ter essa primeira resposta. E vai ter que gastar mais ainda para ajustar rotas, caso o mais provável aconteça, e ela não seja tão interessante assim.

Mas então, como?

Em um mundo onde há cada vez mais soluções para cada necessidade que as pessoas possuem, e no qual as barreiras de entrada estão cada vez menores para que pequenos compitam com grandes, ser selecionado pelo ambiente se tornou muito mais complexo. Não basta ser o primeiro, ter mais capilaridade ou poder de investimento em marketing. Para minimizar os riscos, uma nova abordagem é necessária. Uma abordagem que seja mais ágil e permita antever problemas para corrigir rotas. Uma abordagem que ajude com a variação e aumente as chances de seleção. Pelo que eu tenho visto nos últimos 10 anos de projetos para grandes organizações, não há abordagem melhor para fazer isso do que a do Design.

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Luis Alt
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Written by Luis Alt

I observe (and write about) how people use services and how organizations provide them — Founder of Livework in Brazil.

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